sábado, 30 de julho de 2011

ESTE CORPO MEU
(Vivaldo Bernardes)


Ah! Corpo meu! De auroras e poentes!
Quando voltei, não eras nem menino,
e ainda no ventre, tinhas o meu tino
para cumprir os planos mais ardentes.

Corpo meu! que nasceste para as provas,
companheiro, buril de aço fino,
ainda tens que cumprir o teu destino
té que eu me vá, trilhando estradas novas.

Eu sei dos teus desgastes, do cansaço,
pois és matéria densa, putrescível,
mas peço, vem comigo mais um passo.

E quando eu te deixar na campa fria,
levarei no meu imo, imperecível,
tua imagem... saudade... nostalgia...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

ESTE CORPO MEU – II
(Vivaldo Bernardes)
Depois de tantas décadas comigo,
sempre atento e submisso aos meus desejos,
começas a sentir, ó corpo amigo!
o desgaste dos anos e os arquejos!

Mãos amigas as tuas mãos apertaram!
teus olhos contemplaram os oceanos!
teus pés longas veredas já andaram,
entre flores azuis ou desenganos.

Foste e és minha escora e instrumento
na busca incessante do Caminho,
na procura do bem que traz alento.

Mas, se do que procuro nada achei,
confesso nesta culpa estar sozinho,
porque de procurar eu nada sei...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O PECADO NOSSO DE CADA DIA
(Vivaldo Bernardes)

Somos humanos, filhos de Adão e Eva,
de quem herdamos o irresistível
impulso original, o que nos leva
aos mundos de beleza indescritível

Tu e eu, dois corpos num só corpo.
Nada mais fazemos que sentir
a vida na batalha corpo a corpo,
motivo natural do existir.

Assuntando detalhes do “pecado”
tido e havido como original,
penso: “isto não lhes fora explicado”.

É simples: Deus estava caduco
ou Adão seria um reles eunuco
pois, até os anjos o veem normal.

Planaltina-DF, 16/06/11

terça-feira, 26 de julho de 2011

DESABAFO
(Vivaldo Bernardes)


Feliz é o beija-flor
que voa e vive beijando
e não sente esta dor
que eu venho suportando:


este desejo ardente
que me consome aos poucos
e me esmaga a mente
com o peso dos mais loucos

instintos próprios do homem
que não se julga eunuco
mesmo que assim o tomem
os velhos e já caducos,

indiferentes e infensos
aos mais ardorosos beijos
quais aqueles mui intensos
excitantes dos desejos.

Contudo, eu vivo preso,
pois não sou um beija-flor
que sufoca o seu desejo
mas não sou santo de andor.

Tenho cá muitos defeitos,
entre eles o maior
é chorar planos desfeitos
depois de tanto suor.

Planaltina-DF, 15-07-11

segunda-feira, 25 de julho de 2011

GALHOFA
(Vivaldo Bernardes)

Dilacerado já o corpo meu
por bisturis, tesouras e arremates,
linhas, pontos e nós que a ciência deu,
parece ser trabalho de alfaiates.


A válvula que tanto eu temia
leva o líquor até o duedeno.
É serviço de pura engenharia
e sendo assim, portanto, não condeno.

Quanto às hemorróidas, causam danos,
não por constrangimento que não sinto.
Males dos velhos, são males dos anos.

Agora, meningite e leucemia
também as trago, pois isto eu não minto
e afirmo que não tenho hipocondria.

domingo, 24 de julho de 2011

AMPULHETA
(Vivaldo Bernardes)

Vejo noites passadas, noites frias
a ampulheta do tempo, caprichosa,
a contar os momentos dos meus dias
a sugar minha vida qual ventosa.

Oito décadas foram consumidas
na voragem dos anos incansáveis
e a ampulheta, de entranhas carcomidas,
continua as viradas incontáveis.

Instrumento já gasto pelos anos,
os meus vasos pressentem erosão.
viram, viram no mundo dos enganos.

Quem sou eu? Nada mais que uma ampulheta
a marcar minha idade sem razão,
respirando tal qual anacoreta.

sábado, 23 de julho de 2011

MADRIGAL DE UM TROVADOR À SUA SENHORA
(Vivaldo Bernardes)

Vós sois a minha pastora,
dama dos meus madrigais,
dos meus amores, Senhora,
viveis sem outras rivais.

Indiferente aos meus ais,
rides do meu coração.
Trovas já as fiz demais,
sem respostas ou atenção.

Eu simples lacaio vosso,
trovador por profissão,
esconder jamais eu posso:
meu respeito é paixão.

Sois divina, sois candura,
a distância nos separa.
Tempo passa e mais perdura
a esperança que me ampara.

Para eu ter o meu afeto
seguro e correspondido,
espero o sinal concreto,
mesmo muito comedido.

Depois de o “aceito” certo,
tenho cá bel sugestão:
quando eu passar bem perto,
cai-vos um manjericão.

Vou pegá-lo e beijá-lo
como vossa própria mão
e no peito vou guardá-lo
co´a mor satisfação.

Ou lançardes uma flor
da sacada até ao chão.
Será gesto de pudor,
ao meu louco coração.

E depois do gesto feito,
um sorriso me dareis
e um sorriso sem defeito
no meu rosto vós vereis.

Dentre as trovas que já fiz
digo sempre serem as últimas.
Vosso coração que diz:
-“Quero infindas as penúltimas”.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

JUSTA PREOCUPAÇÃO
(Vivaldo Bernardes)

Forçado fui a uma cirurgia,
para pôr uma válvula no crânio,
tudo bem, pois me deram anestesia
e rasgaram lá no fundo o endocrânio.

Imediato eu dormi sem dor nenhuma.
Fui raspado, cortado e remendado,
mas dormindo sentia certa bruma,
e falar não podia, anestesiado.

Da cabeça até ao duodeno,
desce um tubo redondo e muito fino,
nada mais, era um comprido dreno,
não chegou a ofender todo o meu tino.

Abundante, o sangue esparramava,
cor vermelha pintando o corpo amigo,
e o tubo foi descendo, me manchava
até perto, um pouco, do umbigo.

Já passada a dita anestesia,
invadiu-me um susto aterrador,
e tremia e o sangue me fazia
pensar sério num erro do Doutor.

Imediato, apalpei co´uma das mãos
o lugar onde ficam e devem estar.
Lá estavam e firmes ambos sãos...
abrandou-se assim o meu mal-estar.

Perguntado, o Doutor-cirurgião
respondeu-me: “- Não sou um carniceiro.
Todo o teu tá na mesma posição.
Eu mexi, mas deixei-te o corpo inteiro”.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

LIVRO VELHO
(Vivaldo Bernardes)


O livro que revejo, velho e gasto,
cansado de passar de mão em mão,
e às e aos cupins servir de pasto,
deu-me, na vida, a primeira lição.


Nada te dei por tudo o que me deste,
velho Amigo, já roto e amarelado.
Fui-te ingrato, por mim tudo fizeste
e eu te esqueci nas lutas do passado.

Hoje, também roído de saudade,
virando estas páginas queridas,
recomponho-te livre dos insetos.

E, como outrora, pleno de Verdade
ensinarás a vida a outras Vidas,
darás lição, agora, aos meus netos.

Planaltina-DF, 21/07/2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

O INFERNO NÃO É ETERNO
(Vivaldo Bernardes)

Enfrentando da vida as tempestades,
quase morto, por ELA abandonado,
vi-me só, sem encanto e sem vontades.
Ao Inferno de Dante fui lançado.

Minha vida tornou-se um pavor.
Lá eu vi incertezas e saudade,
companheiras do louco e do horror,
a um passo da plena insanidade.

Iludindo, com arte, Satanás,
que dormindo era pouco perspicaz,
agarrei-me às mãos que me acenavam

e esqueci a infernal eternidade,
vislumbrando, talvez, Felicidade
que meus filhos e amigos me ofertavam.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O INFERNO NÃO É ETERNO - II
(Vivaldo Bernardes)

Continuo a contar a minha história.
Não é conto d´amor nem ficção.
Tenho tudo gravado na memória
e arrepia-me lembrar a escuridão.

Satanás, alcunhado Meningite,
No Umbral é irmão da Leucemia
e os dois me tiraram o apetite,
de tão fraco perdi a alegria.


Nesse tempo, com toda hediondez,
chega Lúcifer, o pai da viuvez
e aqui todo o meu mundo se acabou.

Mas saí, mas venci todo o Inferno,
apesar da idade já de inverno
e por isso a bengala me restou.

domingo, 17 de julho de 2011

O INFERNO NÃO É ETERNO - III
(Vivaldo Bernardes)

Na história da Vida que contei
em sonetos de data já passada,
os detalhes eu não enunciei.
Faço-o agora de mente equilibrada.

Afirmar que o Inferno é eterno
já é dogma usado e abusado
por teólogo sem amor fraterno
e que nunca estivera lá hospedado.

Discuti-lo eu posso sem pecado.
Não discuto. Meu tempo é suado,
Mas o nego e provo no meu verso.

E por isso se alguém me achar culpado,
leia o escrito que fiz por ter morado
nos confins dos confins deste Universo.

sábado, 16 de julho de 2011

SIMPLES SONETO A UM HOMEM EXTRAORDINÁRIO
(Vivaldo Bernardes)

- homenagem póstuma -

Quisera eu ser um Dante ou um Camões
e fazer da tua vida um grã poema,
para tanto teria mil pretensões,
que o soneto me inibe com algema.

Os exemplos de vida que deixaste
aumentaram os ‘Doze”de Jesus
para “Treze”, com tudo o que ensinaste,
té no nome és Candura, és a luz.

Eu me curvo por ser um teu coevo
e digo: “- CHICO, por ti eu me enlevo,
passe o tempo, o tempo que vier”.

Hoje, livre das peias, de tua cruz,
estás inda mais perto de Jesus...
És Francisco Cândido Xavier.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

ESTÁ ESCRITO!
(Vivaldo Bernardes)

- Um certo “papo" -

Certo dia, num dos “papos” agradáveis
que nós tínhamos, nós e apenas nós,
tratando assuntos livres e saudáveis,
nós falamos dos contras e dos prós.

Num momento de “papos” dilatados,
olhaste-me assim, jeito esquisito
e eu notei, nos teus olhos demorados,
que meu nome estava lá escrito.

Com cuidado e esmero, perguntei
se podia contar com o que eu vi.
Respondeste: “- O teu nome eu apaguei.”

Tempo passa, liguei e quis saber
se voltaram as letras que eu li:
“- Voltaram sim, tornei a escrever...”

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A VOZ DO TRAVESSEIRO
(Vivaldo Bernardes)

Quando te julgares incapaz de secar as tuas lágrimas;
quando a tristeza te arrombar a alma;
quando a desilusão bater à tua porta;
quando estiveres só, ante o Supremo Tribunal Íntimo,

Recorre ao teu travesseiro como última instância,
lava a tua alma encharcada de dores
e ele, teu juiz sábio, único e inapelável
te lerá a sentença com voz clara e firme
de sotaque tão íntimo que só tu entenderás.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O BILHETE
(Vivaldo Bernardes)

Não conheço um casal, por mais se ame,
que não sofra um dia alguma rixa,
sem chegar a quebrar o forte liame,
mas dói e fere a paz como uma lixa.

Certo dia, não sei mais por que motivo,
acabamos brigando e ela saiu.
Não querendo eu ser acusativo,
fui ao quarto e ela não me viu.

E mais tarde, eu estando acordado,
pressenti os ruídos de papel
e fui lendo pedaço já rasgado:

“Me perdoe, gosto muito de você”
no bilhete escrito a tropel,
que assinado estava com um T.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O HOMEM É A PALAVRA
(Vivaldo Bernardes)

É impressionante o pálido valor que atribuímos à nossa excepcional faculdade de comunicação pelo som articulado.
Habituados a ela desde o nossa tenra idade, usámo-la naturalmente, espontaneamente sem , nem de leve, percebemos a grandiosidade do simples impulso vocabular.
A potência de uma só palavra pode resultar efeitos incalculáveis, desde os ingênitos diálogos familiares, despreocupados, na lide quotidiana aos inflamados discursos de oratória contundente que definem, em assembleias internacionais, o destino do próprio planeta.
Assim, o fonema emitido pelo Homem reproduz ou - melhor dizendo - deve reproduzir o autêntico íntimo do falante, de que deduzimos que o Homem é a palavra.
Conhecer um Homem é ouvi-lo, embora esse princípio não se estenda indiscriminadamente a nós, humanos, que, como tal, menosprezamos a honra de podermos usar a palavra.

domingo, 10 de julho de 2011

HINO DE AMOR
(Vivaldo Bernardes)

- à minha saudosa Teresinha -

Plantei no meu jardim chamado coração
a muda-flor, presente do nosso destino,
para conjurar a surdez da solidão,
voltando a ouvir a harmonia do hino

que a mim tu cantaste e a mim encantaste
ao entoarmos suas notas melodiosas
no nosso dueto, quando tu as solfejaste,
uma a uma, qual fossem pétalas de rosas

orvalhadas d’amor, extraídas da pauta
que o Maestro-Maior compôs e cantou,
como a voz suave de uma romântica flauta

em surdina, no silêncio afagador
com que o nosso destino nos premiou
juntando as setes notas num hino de amor.

sábado, 9 de julho de 2011

JÁ NADA MAIS ME RESTA
(Vivaldo Bernardes)

Já fui, entre os homens, um dos mais felizes.
Já tive entre as mãos um mundo encantado.
Já desafiei Cupido na arte de amar.
Já fui, das Colombinas, maior que Pierrô.

Mas, hoje, a minha sorte mostra seus deslizes:
só tenho, entre as mãos, um mundo esfarrapado;
não sei quem é Cupido e só vivo a chorar.
Se já fui um pierrô, hoje sou um robô

a vagar, sozinho, sem rumo, sem destino,
por estares te distanciando da verdade
de que não te desviavas com teu claro tino.

Ah, Destino... Ah, Fado... Ah, Sorte malvada!
Serei eu a vítima da insanidade
se puderdes trocar-me pela minha amada!

Se quiserdes saber, simplesmente, o porquê,
direi eu que é a infinita saudade
de ouvir de novo dela: “Nasci pra você”.

sexta-feira, 8 de julho de 2011


ESPELHO MEU
(Vivaldo Bernardes)


Conheço-te e sei da tua fidelidade.
Artísticos detalhes ornam o teu cristal.
Refletes o meu rosto e as minúcias da idade
mostrando que a vida escoa o seu final.


Mudaste-me até a cor dos meus cabelos,
cumprindo, fielmente, o teu papel no tempo.
Tampouco esqueceste as gelhas, em teu zelo,
negando que a vida é simples passatempo.

Porém, “quem vê cara não vê o coração”,
ferido de saudade ou morto de paixão,
pulsando no compasso da desilusão.

Por isso, Espelho meu, não ouses refletir
os ais dum coração sujeito a explodir,
pois os estilhaços bem podem te partir.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

BRAÇOS DE AÇO
(Vivaldo Bernardes)

Olhando os meus braços, vejo-os manchados
da ferrugem do Tempo corroendo o aço,
forjados a ferro e fogo e assim modelados,
invulneráveis ao peso dos estilhaços.

Porém, nem o calor da forja impede aos anos
mudarem o aço em ossos quebradiços, e
em fosfóricas chamas os braços humanos,
dos ricos dos palácios aos pobres do cortiço.

Entretanto, por ora, a ferrugem se estende
aos braços e, descendo às pernas, não sobe
à mente e aos versos que ela pretende

ainda escrever, resto de poemas que acaso lhe sobre
enquanto a morte não a fizer em bagaço,
enquanto os meus braços inda forem de aço!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

MEU LIVRO
(Vivaldo Bernardes)

Abrindo o meu antigo e amarelado livro
em que escrevi com tintas de variadas cores
os capítulos mais contundentes vividos
antes de conhecer do amor as suas dores

que me prendem e delas eu não me delivro,
cada dia mais doídas, cada dia mais crescentes,
pois que se repetem na página final,
envolvendo o meu ser como fossem serpentes.

Prevendo que ainda me faltam capítulos
a serem inseridos nesta edição,
deixo páginas em branco, bem como os títulos

do que, ao certo, haverei de escrever,
embora não me conforte o coração
abatido com que os olhos hão de ver.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O SONETO
(Vivaldo Bernardes)

- Ao meu filho Ismael –

São apenas quatorze os versos do soneto,
sacrário misterioso do mágico poeta,
quando supera o músico e seu minueto
e, do alto do soneto, vê a sua joia completa

garimpada no extremo do seu cord,
relicário das mais profundas emoções,
condimento dosado em doridas poções
que nos fazem ouvir um mavioso acorde.

Do diminuto espaço, entornam grandes dores,
derrama-se a saudade, explode a paixão...
e dos olhos do poeta pingam os amores

perdidos nas entranhas do seu coração,
embora ainda exalem os mesmos odores
e o morno calor dum mui antigo vulcão.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A VIDA ORQUESTRADA
(Vivaldo Bernardes)

Passo I Prelúdio
Abertas as cortinas, ouvem-se os sons:
vagidos e sonoros ais do violino.
Subindo nota-a-nota no tempo crescente,
agregam-se aos trompetes, sonoramente.

Passo IIAdolescência
Clarins, inda indecisos, procuram os tons
corretos na sua clave de sol andantino,
tentando inda compor a ópera incipiente
de que a partitura ainda é carente.

Passo III Idade Adulta
Entrada triunfal! Cordas e metais vibram!
Esparsos alegretos e dramas de amor
confundem-se e no tempo se equilibram,
instante em que a peça atinge o seu fragor!

Passo IVVelhice
Das cordas experientes do diapasão,
evola-se, pianíssimo, o violão nostálgico
como as flautas em surdina,
final dos sons, quando se fecham as cortinas.